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Resenha: "Lua de Vinil", de Oscar Pilagallo

Atualizado: 22 de abr. de 2019

Personagem adolescente masculina e ditadura militar como contexto histórico

A descrição é promissora, afinal, a literatura brasileira não costuma tematizar o período da ditadura militar; entretanto, o resultado de Lua de Vinil não empolga. Temos como protagonista um adolescente que experiencia alguns dilemas: o pai no hospital, um vizinho machucado e a presença - ainda que distante - da repressão e da violência inerentes a um regime não democrático. Vejamos:


"Meu pai tinha um Transglobe, aquele radiozão enorme da Philco que pega ondas curtas. Desde que eu me entendo por gente, à noite, sempre que dava, ele ouvia o noticiário do serviço brasileiro da BBC. Uma chiadeira só. Tinha que tentar várias frequências até sintonizar. O esforço compensava, ele dizia, porque era o único lugar onde as notícias sobre o Brasil não eram censuradas. - Os milicos não estão deixando passar nada. Eu não me preocupava muito com as notícias, censuradas ou não." (PIGALLO, 2016, p. 21)

Sem dúvida, os melhores momentos da narrativa são aqueles dedicados à descrição da relação com o pai - o qual está no hospital, em aparelhos e em silêncio. Esse silenciamento (literalmente a ausência de diálogo) é muito potente: compreendemos o sofrimento desse jovem. Nas noites em que cuida do pai no hospital, Giba - nosso protagonista - escreve relatórios; a impessoalidade de uma lista e registros ganha contornos sentimentais, pois evidencia a angústia da impotência diante da doença e da morte. Eu queria ler mais trechos como o que transcrevi abaixo, mas o romance não dedica muito espaço para eles.


"23h58: Pai, você está dormindo profundamente. É o Fenergan que te deram na veia. Sua boca está aberta, chupada para dentro. Me lembra os desenhos que aquele artista fez da mãe morrendo. Você sabe de quem tô falando. Ele desenhou porque não podia fazer mais nada. Eu também não posso fazer nada, a não ser escrever. Será que isto aqui será o meu esboço dos seus últimos dias?" (PIGALLO, 2016, p. 87)

Pensando nessa obra como leitura orientada a ser aplicada em sala de aula, percebo algumas potencialidades: o protagonista adora discos de vinil e esse é um hábito cultural interessante para ser abordado com novas gerações; como disse, a relação com o pai, com enfermidades e com a morte é muito bem explorada e, por serem temáticas delicadas, são muito pertinentes; o contexto histórico, por fim, é importantíssimo, ainda que não seja trabalhado (enquanto elemento de enredo e enquanto descrições) com aprofundamento.

Trata-se, em alguma medida, de uma narrativa de formação, uma vez que acompanhamos algumas vivências e transformações desse jovem; essa ideia de crescimento, inclusive, está sugerida na estruturação dos capítulos, cujos títulos são "Fala, Giges", "Giba. Giba" e "Gilberto". Giba, narrador-protagonista, experiencia muitos desejos (a relação afetiva e sexual mereceria desenvolvimento) e sofrimentos - estes abrangem o âmbito privado (tanto a identidade do pai quanto a consequência de suas ações) e público, circunstância em que elementos históricos ganham contornos, como lemos neste trecho:


"Ele me repreendeu com uma contundência revolucionária. Eu não tinha, disse ele, a menor ideia de onde estava me metendo, era um alienado, não sabia que tinha muita gente morrendo, sendo torturada, que havia uma guerra suja no Brasil, que estudantes como eu estavam presos, sumidos ou exilados." (PIGALLO, 2016, p. 149)

Acredito que uma turma de 7º ano poderia com tranquilidade ler o romance Lua de Vinil.


PILAGALLO, Oscar. Lua de Vinil. São Paulo: Seguinte, 2016.

Tags: Ficção; Literatura juvenil; ditadura

164 páginas

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