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"Poesia na Mão"

Atualizado: 15 de abr. de 2019

Poesia no cotidiano escolar. Seria possível?

O projeto "Poesia na Mão" foi uma ação dos componentes curriculares Língua Portuguesa e Artes Visuais nas turmas de sétimo ano do Colégio de Aplicação da UFRGS, ao longo do segundo semestre de 2018. Partimos da ideia/imagem de carregar poesia para qualquer lugar, em nossas mãos. Daí veio a ideia de costurarmos cadernos e, neles, inserirmos poemas. Queríamos criar um objeto-caderno que, na verdade, transformou-se em objeto-caderno-livro[1], uma verdadeira antologia de poemas. 

Um caderno único, costurado por nós mesmos, compondo uma antologia também única.

Muitas vezes, na Educação Básica, a poesia é esquecida. Porque torna-se complexo trabalhar com suas construções de sentido, porque nós, professores e professoras – mediadores e mediadoras de leitura –, vivemos um impasse: não devemos restringir significações, mas, ao mesmo tempo, devemos auxiliar na construção de sentido, verificando marcas textuais para a composição da leitura. É comum, nos primeiros anos do Ensino Fundamental, a presença da poesia, especialmente quando relacionada à oralidade (cantigas, parlendas etc.); depois, à medida que avançamos na escolaridade e chegamos aos anos finais do Ensino Fundamental, mesmo que a música seja prosaica para alunos e alunas, a poesia, muitas vezes, não tem protagonismo.


O caderno

ao meio (A6 - tamanho 10,5cm x 14,8cm) para a versão final dos objetos-caderno. Dessa forma, dissemos não ao desperdício de materiais, bem como promovemos um formato prático, o que seria essencial, tendo em vista a quantidade de alunos.



Uma vez criados os cadernos, organizamos caixas para guardá-los por turma (a ideia inicial era deixá-los na escola) e fomos ao segundo passo, ao encontro oficial com a poesia. Tentamos organizar esse momento como um ritual, evocando práticas recorrentes nos anos iniciais do Ensino Fundamental; tentamos recuperar o encantamento do encontro com a leitura literária: para tanto, experienciamos um mergulho no mundo dos livros e, de modo livre, os estudantes puderam registrar versos em seus objetos-caderno.

Nesse momento, ao ar livre, em meio aos livros, pela primeira vez, ofertamos a poesia retirada da caixa de poemas – essa prática se repete toda semana. Ficam esclarecidas, dessa forma, as etapas do projeto: construção dos cadernos, encontro com os livros, práticas semanais de leitura de poesia (poemas da caixa). Essas “atividades organizadas em longos projetos de trabalho [dão] sentido às leituras escolares, enquanto criam expectativas sobre o modo de ler ou o grau de profundidade requerido” (COLOMER, 2007, p. 110, grifos nossos).


A concepção “modo de ler” torna-se essencial. Ao assumirmos a construção pedagógica de projetos, é imprescindível orientarmos a leitura realizada pelos alunos; isso significa que devemos esclarecer o passo a passo, bem como os objetivos a serem atingidos em cada etapa e, em especial, o que buscamos com cada leitura literária, pois, assim, estabelecemos com mais naturalidade e tranquilidade o pacto de leitura. Ao definir objetivos, podemos, também, determinar com mais clareza práticas de mediação de leitura, ou seja, ações para acompanharmos e orientarmos os processos de significação do ato de ler.

O “modo de ler” implicado no projeto “Poesia na Mão” é duplo. Promovemos o ato de ler poesia durante as aulas; alunos e alunas retiram poemas da caixa, colam em seus cadernos e leem para a turma; nem sempre analisamos verso a verso, apenas quando alguém solicita, em geral anunciando “Professora, não entendi”. Nessa circunstância, relemos e conversamos detalhadamente. Do contrário, a poesia permanece no caderno e na voz, em alguma medida concretizado os versos de Manoel de Barros: “Poesia não é para compreender mas para incorporar”[2] (BARROS, 2016, p. 43). Por meio desse projeto, incorporamos no nosso cotidiano os versos, a presença do texto poético, dos poetas e das poetisas. Vemos, lemos, ouvimos e carregamos poesia, ou seja, compartilhamos poesia, e a “leitura compartilhada é a base da formação de leitores” (COLOMER, 2007, p. 106).


A caixa de poemas figura como uma antologia, a qual foi construída pela professora titular de Língua Portuguesa e Literatura. Inevitavelmente, essa seleção elabora um cânone; além disso, cada caderno faz as vezes de uma antologia. O resultado é uma antologia criada a partir de uma antologia construída pela docente responsável. Consciente da importância dessa seleção de poemas, de poetas e de poetisas – porque toda seleção é exclusão, porque antologias carregam atribuição de valor –, eu, professora, inclui tanto autores canonizados (por exemplo, Carlos Drummond de Andrade e Fernando Pessoa) quanto novíssimos escritores (como Rupi Kaur e Ryane Leão). Além disso, na caixa, há a presença de muitas poetisas, bem como de muitas poetisas negras e poetas negros.


Para cada modo de ler, uma mediação


Enquanto a prática de leitura dos poemas retirados da caixa se concretizava, outra ação principiava: a leitura de poemas selecionados do livro 50 Poemas de Revolta, publicação da Companhia das Letras. Trata-se de uma antologia cujo critério de seleção foi temático; estão no livro versos que se revoltam contra algo que está na sociedade, isto é, são poemas cujo eu lírico estabelece relações com o mundo empírico. Vejamos a apresentação do livro, assinada pelos editores:

A poesia é, por si, ato de resistência. Além de não comercial, espécie de antiproduto, antimercadoria, dirigida a um círculo restrito de leitores, é uma reação à automatização da linguagem, do pensamento e dos sentidos. Quando o poeta lança seus dados em resposta às notícias de jornal, a política aparece não apenas como um dos componentes que definem o gênero poético, mas também como temática do poema. Com profundo desejo de transformação, os versos se rebelam contra as mazelas sociais e conquistam alta voltagem de mobilização. É uma poesia engajada, indignada e insubordinada.
Os poemas de denúncia ganharam corpo em situações cruciais da história brasileira. [...] O livro 50 poemas de revolta reúne 34 poetas brasileiros de diferentes épocas [...]. São poemas que, em tempos sombrios, procuram jogar luz sobre incontáveis modalidades de negligência e opressão que estão na ordem do dia. (vários autores, 2017, p. 10-11)

Essa etapa do projeto de leitura tem objetivos bem distintos: desta vez, pretende-se realizar leituras detalhadas, verso a verso, compondo coletivamente sentido(s), sempre buscando chaves de leitura que se relacionam com o critério de organização da obra – poemas que se “rebelam contra mazelas sociais”. Por isso, nas aulas de Língua Portuguesa e Literatura, depois de conhecermos o livro e os conceitos de antologia e coletânea (assiciando-os, é claro, a caixa de poemas que já circula em sala de aula) e depois de estudarmos o prefácio dos editores, organizamos apresentações semanais de poemas (novamente, fui responsável pela seleção e usei como critério o nível de dificuldade de leitura, tendo em vista que se trata de uma turma de sétimo ano). Todos alunos e alunas deveriam ler os doze poemas[3] selecionados para as apresentações ao longo do trimestre, porém, a cada aula, duplas e trios ficaram responsáveis por declamar e propor a análise.

Após a leitura, após a análise coletiva em aula, todos os alunos são convidados a escrever (e este é um instrumento de avaliação semanal): para cada poema, eles devem escrever uma análise cujo objetivo é explicar contra o que o poema se revolta. Este é o enunciado da atividade: “Uma vez que o critério de seleção utilizado pelos editores do livro 50 poemas de revolta foi a temática (isto é, o assunto) da revolta contra as mazelas sociais (os problemas da sociedade), leia o poema e analise-o, trazendo, na sua resposta, trechos (versos completos ou palavras) para explicar isto: o poema lido revolta-se contra o quê? (mínimo 5 linhas; caneta azul ou preta)”. Além dessa escrita formal, no objeto-caderno, é preciso tecer algum comentário, copiar um verso ou, simplesmente, informar o nome do poema trabalhado naquela aula.


O projeto “Poesia na Mão”, portanto, reúne momentos de fruição lúdicos e espontâneos, que tentam promover rituais de encontro com a poesia, com momentos de análise estruturada da construção poética, observando forma e conteúdo e organizando tais reflexões em textos formais. Acreditamos que, dessa forma, promovemos processos distintos capazes de estabelecer o letramento literário. Para cada uma dessas atividades, cujos perfis são distintos, teremos respostas diferentes para estes questionamentos (os quais são essenciais para uma prática reflexiva): enquanto professor, o que pretendo proporcionar aos alunos?; quais conceitos literários estão envolvidos?; que tipo de produção os alunos serão convidados a elaborar?


O QUE NÃO FUNCIONOU?

Quando idealizamos atividades para sala de aula, sempre desejamos que tudo funcione. Entretanto, nem sempre é assim...

- em várias ocasiões, os alunos e as alunas não leem;

- muitas vezes, eles e elas não se engajam como gostaríamos.


Neste projeto, a leitura dos poemas da caixa precisava de mais tempo e mais mediação; já a leitura dos poemas selecionados do livro 50 poemas de revolta precisava de um passo a passo mais detalhado. É possível sim que alunxs de sétimo ano leiam tais poemas, mas é preciso mais tempo em sala de aula e atividades de mediação para cada poema (não basta usar a oralidade e anotações em aula; é preciso materiais mais estruturados). Ainda assim, considero que foi uma atividade com êxito.

 

[1] Optamos pela utilização do termo “objeto-caderno-livro” e “objeto-caderno”, sem entrar nas discussões trazidas pelo campo artístico em relação à produção do livro como obra de arte (livro de artista, livro de arte, arte ou livro, entre outras designações possíveis - todas com diferentes peculiaridades).

[2] Excerto do poema XV do “Sabiá com trevas”.

[3] Os poemas trabalhados foram estes: “Descobrimento”, de Mário de Andrade; “porto alegre, 2016”, de Angélica Freitas; “Vozes-mulheres”, de Conceição Evaristo; “Subversiva”, de Ferreira Gullar; “Quem fala”, de Francisco Alvim; “Balada a favor das últimas manifestações”, de Fabrício Corsaletti; “Mês de Maio”, de Jorge de Lima; “Não há vagas”, de Ferreira Gullar; “A rosa de Hiroxima”, de Vinicius de Moraes; “Acontecimento”, de Francisco Alvim; “O retirante explica ao leitor quem é e a que vai”, de João Cabral de Melo Neto; “Reflexo condicionado”, de Casaco.

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